Newsletter 2 | Maio 2024 | Edita Magileviciute

Ervas marinhas: guardiãs da biodiversidade marinha e mitigadoras das mudanças climáticas

Os prados de ervas marinhas são ecossistemas que fornecem vários serviços ecossistémicos, como habitat e maternidade de várias espécies de valor comercial e a Superabsorção de dióxido de carbono, estimando-se que têm a capacidade remover 15 vezes mais dióxido de carbono que a floresta tropical. O recente mapeamento feito em Cabo verde superou as expetativas, notando-se que existem área maiores e mais ricas que o anteriormente identificado, registando-se inclusivamente uma nova espécie. É importante agora continuar os trabalhos para que se preservem estes sistemas tão ricos e relevantes para a biodiversidade e a subsistência do ser humano.

As ervas marinhas são plantas com flores marinhas encontradas nas costas de todos os continentes, exceto na Antártica. As ervas marinhas são angiospérmicas (Divisão Antophyta, Classe Liliopsida, subclasse Alismatidae), que se encontram distribuídas em águas costeiras, lagoas e estuários, até 70 metros de profundidade. Existem, em todo o mundo cerca de 70 espécies, agrupadas em 12 géneros, quatro famílias e duas ordens.  

As pradarias de ervas marinhas estão entre os ecossistemas marinhos mais ameaçados ao nível mundial, mas também fornecem uma grande importância e produtividade com os serviços ecossistémicos essenciais que beneficiam os seres humanos. Por exemplo, servem como um habitat para múltiplas fases de vida de peixes e invertebrados do valor comercial, apoiam as comunidades locais como fontes de subsistência, melhoram a qualidade da água, estabilizam os sedimentos e oferecem serviços de proteção costeira ao atenuar a energia das correntes, das ondas e das marés.  

Além disso, as ervas marinhas, como os mangais e as zonas húmidas, são coletivamente conhecidos como ecossistemas de carbono azul pelo seu papel essencial na mitigação das alterações climáticas devido à sua eficiente capacidade de sequestro e armazenamento de carbono orgânico em sedimentos ao longo prazo. As pesquisas nos últimos anos mostraram que um hectare de ervas marinhas pode absorver tanto dióxido de carbono por ano quanto 15 hectares de floresta tropical. Apesar de todos os benefícios essenciais às escalas locais e globais, tem havido um declínio na cobertura de ervas marinhas a nível mundial, o que é atribuído principalmente aos impactos antropogénicos. 

Ocorrem na África Ocidental três espécies de ervas marinhas: Zostera noltii, Cymodocea nodosa e Halodule wrightii registadas em sete países. Embora Ruppia maritima também seja encontrada na África Ocidental, pode ser classificada como uma espécie de água doce tolerante ao sal, embora a Lista Vermelha da IUCN inclua todas as espécies do género Ruppia como ervas marinhas (Grid-Arendal 2022). Contudo, este pequeno número de espécies não reflete a elevada importância dos ecossistemas de ervas marinhas que fornecem um habitat protegido, rico em nutrientes para flora e fauna marinhas. 

As funções principais das ervas marinhas consistem em:  

  • Superabsorção do carbono. As ervas marinhas absorvem o carbono da atmosfera 35 vezes mais que selvas tropicais, tornando-se aliado forte na luta contra o aquecimento global. 
  • Armazenamento global do carbono. Apesar de cobrirem apenas 0,02% do fundo do mar, ervas marinhas contabilizam 10% do armazenamento anual de carbono a nível global. 
  • Proteção costeira. Prados submarinos constituem uma barreira natural contra a erosão, protegendo comunidades costeiras contra o impacto da subida do nível do mar. 
  • Habitat para peixes. Não são apenas peixes da importância comercial como garoupa, sargo ou bidião que beneficiam do ecossistema de ervas marinhas; numerosas espécies dependem deste habitat para sobreviver. 
  • Produção do oxigénio. Ervas marinhas são essenciais no fornecimento de oxigénio, contribuindo para saúde do oceano e sustentando várias formas da vida marinha.  
  • Despoluição do mar. Ao absorver e filtrar os nutrientes poluentes, ervas marinhas desempenham um papel vital na manutenção do oceano limpo salvaguardando o seu delicado equilíbrio. 

Em Cabo Verde, os prados de ervas marinhas foram incorporados na contribuição nacionalmente determinada (NDC), o compromisso não vinculativo apresentado à Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas para a redução das emissões de gases de efeito estufa no nível nacional e a adaptação aos impactos das alterações climáticas. Cabo Verde e Sierra Leoa os dois países são entre os primeiros a incluir as ervas marinhas nas suas NDC, não apenas em África, mas no mundo (Grid-Arendal 2022).  

O primeiro registo de ervas marinhas em Cabo Verde foi comunicado em 2016 por Creed et al. (2016) num local protegido contra ondas entre a Gamboa e o Ilhéu Santa Maria, Praia, Ilha de Santiago.  

Em 2023, a Associação ECOCV em parceria com a Direção Nacional do Ambiente, em colaboração com NeptuneCV, Prof. W.J.Szymaniak da UniPiagetCV e pescadores artesanais, realizou a exploração e mapeamento dos prados das ervas marinhas na ilha de Santiago. Os resultados superaram os objetivos iniciais com o registo dos prados em quatro novas localidades, além da Gamboa (Holodule wrightii) e da Lagoa Pedro Badejo, Santa Cruz (Rupia marítima), as ervas marinhas foram confirmadas na: Baia de São Francisco, Praia (Holodule wrightii), Porto Lobo, São Domingos (Holodule wrightii), Baia Nossa Sra. da Luz, São Domingos (Holodule wrightii) e Baia de Angra, Tarrafal (Holodule wrightii, Cymodocea nodosa). Cymodocea nodosa foi registada como uma nova espécie marinha para Cabo Verde. O mapeamento dos prados mostrou que a Baía de Angra apresenta o maior prado de Santiago com uma área de 55,214 m2. Como o resultado do projeto, o conhecimento da cobertura das zonas costeiras com ervas marinhas na ilha de Santiago aumentou 14 vezes, de 6,000 m2 em 2021 para 91,846 m2 em 2023.  

No entanto, foram também notados impactos antropogénicos também em cada um dos prados de ervas marinhas da ilha de Santiago, incluindo: poluição por plásticos/lixo; danos causados por âncoras de pesca, com maior impacto na Baia de Angra, danos de pesca com redes nas zonas das pradarias, apanha de areia nas zonas costeiras e desenvolvimento costeiro e construção, que causam poluição e erosão costeira. 

Com base nos resultados da monitorização foram desenvolvidas recomendações para apoiar a elaboração de um Plano de Ação para a conservação dos prados de ervas marinhas em Cabo Verde e proteger os serviços ecossistémicos destas espécies e os seus habitats.  

O alto nível de urgência e o estabelecimento de zonas de proteção especial são recomendados em pelo menos três áreas com os maiores prados de ervas marinhas para minimizar os impactos antropogénicos negativos em 

  1. Baía de Angra com a prioridade, por ser a maior prado com as duas espécies de ervas marinhas e deter a maior biodiversidade marinha de todas as áreas avaliadas. Tem sido registada intensa pesca artesanal e semi-industrial com os consequentes danos e fragmentação dos prados 
  1. Baía de Porto Lobo com elevada quantidade de rizomas na superfície possivelmente devido aos danos das âncoras, e descoloração das folhas necessitando de maior monitorização para identificação das causas, bem como extração da areia nas ambas costas da baía e 
  1. Gamboa como um ecossistema urbano único, exposto ao desenvolvimento costeiro e à poluição urbana.  

A monitorização contínua é necessária para priorizar e implementar as medidas de mitigação dos impactos identificados. A avaliação aprofundada dos serviços ecossistémicos por cada prado e a totalidade tem que ser implementada para avaliar o potencial das pradarias de ervas marinhas como solução baseada na natureza para a mitigação das alterações climáticas e a resiliência dos ecossistemas na ilha de Santiago. É essencial de reforçar o envolvimento das comunidades costeiras e dos cidadãos na conservação e monitorização participativa das pradarias de ervas marinhas. Enfim, recomenda-se a exploração de opções para os créditos de carbono azul ou compensações de carbono como parte do financiamento azul para o desenvolvimento sustentável da economia azul em Cabo Verde.  

Referências bibliográficas 

Creed, J. C., Engelen, A. H., Oliveira, E. C. D., Bandeira, S., and  Serrão, E. A. (2016). First record of seagrass in Cape Verde , eastern Atlantic. Marine Biodiversity Records, 1–4.https://doi.org/10.1186/s41200-016-0067-9 

GRID-Arendal (2022) Campos do Conhecimento: Colocando a África Ocidental no Mapa Global de Ervas Marinhas. ResilienSEA (GRID-Arendal/ RAMPAO/WIACO): Arendal, Noruega, p. 

Autora

Edita Magileviciute
Bióloga Marinha Associação ECOCV

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