Energia Verde, Risco Digital: Proteger Cabo Verde num Futuro Inteligente

A transição energética em Cabo Verde é promissora. Mas há um inimigo invisível que cresce na sombra desse progresso: a cibersegurança.

Proteger a nossa rede elétrica é mais do que uma questão técnica é garantir soberania, confiança e segurança num país que se quer moderno e digital.

Cabo Verde tem dado passos firmes rumo a um futuro verde. As metas são ambiciosas mais de 50% de energia renovável até 2030 e a visão sustentável inspira orgulho. Mas, enquanto olhamos para o sol e o vento, talvez estejamos a ignorar um risco silencioso: a vulnerabilidade digital que acompanha cada avanço tecnológico.

Quando a energia se liga à vulnerabilidade

A digitalização da energia é fascinante. Sensores inteligentes, algoritmos que preveem o consumo, comunicação em tempo real entre centrais e consumidores…tudo isto nos aproxima de um sistema mais eficiente e moderno.

Mas há um lado menos visível e mais perigoso. Cada cabo, cada contador inteligente, cada sistema conectado à internet é também uma porta que pode ser aberta por quem tem más intenções.

Esta preocupação não é teórica.

No meu percurso académico, durante o Mestrado em Descarbonização Energética em Países Emergentes, desenvolvi o trabalho final intitulado “Un análisis de ciberseguridad en la red inteligente con energías renovable: Estudio del sistema SCADA y medidor inteligente en Cabo Verde”.

Nessa investigação, analisei como a modernização das redes elétricas através de Smart Grids e Smart Metering, pode representar uma nova vulnerabilidade nacional se não for acompanhada por um reforço efetivo da segurança digital.

E foi a partir dessa reflexão que comecei a ver a cibersegurança não apenas como um tema técnico, mas como uma verdadeira questão de soberania.

Os exemplos internacionais confirmam essa preocupação. Em 2015, a Ucrânia foi alvo de um ataque informático que deixou 225 mil pessoas às escuras. Em 2017, o malware Triton quase causou uma tragédia industrial no Médio Oriente. E mesmo aqui perto, países insulares como as Ilhas Maurícias, Fiji, Samoa e Porto Rico enfrentaram nos últimos anos apagões e falhas digitais graves, uns provocados por tempestades, outros agravados por intrusões cibernéticas em redes automatizadas.

Em 2023, por exemplo, as Ilhas Maurícias ficaram várias horas sem energia devido a uma falha em cadeia num sistema de monitorização digital.

Em Porto Rico, após os furacões, as novas redes inteligentes foram alvo de tentativas de ciberataque.
E nas Ilhas Fiji e Samoa, problemas de comunicação digital mostraram como a modernização sem segurança pode transformar o progresso em risco.

E se tudo isto parece distante, basta olharmos para nós.

As falhas recorrentes de energia na Ilha de Santiago têm afetado residências, hospitais e pequenas empresas. Muitas vezes, a causa é técnica ou operacional — mas o efeito é o mesmo: vulnerabilidade. E com a crescente digitalização da concessionária de energia, o risco de uma falha cibernética futura não é ficção.

Imagina um ataque que desligue subestações (toda a média tensão ligada ao sistema de controlo despacho energético) ou manipule dados em tempo real. As consequências seriam imediatas e profundas.

Uma rede elétrica exposta num país insular

Cabo Verde, como arquipélago, tem um desafio único. Cada ilha depende da sua própria infraestrutura energética. Não há rede nacional de socorro, nem redundância imediata. Isso, aliado a tecnologias desatualizadas e à falta de especialistas locais credenciados e experientes em cibersegurança energética, aumenta o risco.

A verdade é que a segurança energética ainda é vista como um tema técnico, quando deveria ser um tema nacional.

A modernização não pode ser feita sem proteção digital. E a introdução de milhares de contadores inteligentes por mais inovadora que seja não nos protegerá se as redes SCADA, as comunicações e os protocolos de autenticação continuarem frágeis.

Aprender com os alertas do mundo….e com a nossa própria experiência

A revolução digital traz consigo riscos novos.

Relatórios internacionais, como o AI Risk Repository, alertam para os perigos do uso irresponsável da inteligência artificial: manipulação, fraudes, deepfakes, ciberataques e sabotagens a infraestruturas críticas.

O setor energético não está fora desta lista.

Não se trata apenas de proteger dados. Trata-se de proteger vidas, onde se enquadram Hospitais, escolas, comunicações, água…tudo depende da energia.

Por isso, este debate precisa de sair das salas técnicas e entrar na conversa pública.
A energia é um bem comum. Logo, a sua segurança também deve ser.
Não podemos continuar a reagir depois do problema. É tempo de prevenir — e agir.

Três pilares para uma energia segura

Para garantir um futuro energético seguro, Cabo Verde precisa que a estratégia nacional de cibersegurança energética se traduza em ações reais.

Três pilares podem sustentar esse caminho:

1. Modernização tecnológica

A modernização do sistema elétrico cabo-verdiano não é apenas uma questão de inovação é uma necessidade estratégica.

É fundamental segmentar os sistemas SCADA e implementar redes de comunicação seguras e fiáveis, como LoRaWAN, NB-IoT e LTE-M, que permitem gerir remotamente os equipamentos, monitorizar o consumo e antecipar falhas sem comprometer a segurança dos dados.

Estas tecnologias combinam baixo consumo energético, alcance elevado e comunicação encriptada, sendo ideais para arquipélagos como Cabo Verde, onde as distâncias e a topografia desafiam a conectividade tradicional.

Paralelamente, deve-se investir em redes híbridas, que integrem ligações dedicadas e VPNs protegidas para conectar os centros SCADA e os principais nós da rede elétrica, assegurando redundância e continuidade operacional mesmo em caso de falha.

A interligação elétrica entre ilhas não deve ser vista apenas como uma meta de eficiência energética. É também uma estratégia de resiliência nacional, que pode reforçar a segurança, a estabilidade e a autonomia do nosso sistema elétrico.

2. Formação e capacitação local

A soberania digital constrói-se com pessoas. Cabo Verde precisa de técnicos formados em cibersegurança energética, com prática, simulações e integração no ensino técnico.
Depender sempre de consultorias externas não é sustentável.
Precisamos de confiança local, competência local e resposta local.

3. Planeamento estratégico com execução real

As leis já existem — o Decreto-Lei n.º 9/2021 e o Decreto-Regulamentar n.º 1/2021, que criou a CSIRT[1], são bons exemplos.

Mas a implementação ainda fica aquém. É urgente coordenar operacionalmente energia, telecomunicações e segurança.

E investir na execução, não apenas na regulamentação. Tecnologias como blockchain e IA podem reforçar a proteção, mas só se forem usadas com ética e foco em segurança pública.

Segurança digital é soberania energética

O futuro energético de Cabo Verde pode e deve ser verde. Mas tem de ser, antes de tudo, seguro.

A cibersegurança não é um luxo técnico. É o alicerce da transição energética e da confiança nacional.

O país que sonha com sustentabilidade precisa também de proteger os seus sonhos com segurança. Porque no fim, proteger a energia é proteger tudo o resto.

Nota biográfica:


Nilton Antunes é Engenheiro Eletrotécnico e Mestre em Descarbonização Energética em Países Emergentes. Trabalha nas áreas de energia, segurança e sustentabilidade, com foco em soluções para a resiliência energética e climática de Cabo Verde.


[1] As CSIRT (acrónimo em inglês para ComputerSecurity Incident Response Team – Equipa de Resposta a Incidentes de Segurança Informática), são bons exemplos.

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