O dia 28 de novembro de 2025 foi verdadeiramente um dia marcante. Os corações estão cheios e as mentes transbordam de possibilidades. Estamos felizes, não só pelo sucesso do evento, mas porque testemunhámos a ciência em ação, parcerias a dar frutos e a promessa de um impacto real na vida dos cabo-verdianos.
No Instituto Nacional de Saúde Pública (INSP), em colaboração com o Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica (INMG) e com o apoio da LuxDev, os resultados preliminares do estudo «Temperatura e Saúde Pública em Cabo Verde» foram revelados aos setores mais relevantes e à sociedade civil. E este não é apenas mais um projeto de investigação, é um esforço pioneiro para compreender como os extremos climáticos, particularmente as ondas de calor, afetam a saúde pública nesta nação insular.
- Por que este estudo é importante
Cabo Verde, como um Pequeno Estado Insular em Desenvolvimento (SIDS), é desproporcionalmente vulnerável às alterações climáticas. Apesar das baixas emissões de gases de efeito estufa, o país enfrenta graves desafios ambientais e institucionais, incluindo secas prolongadas e aumento das temperaturas. Desde 1990, a temperatura média aumentou 0,04 °C por ano, com projeções indicando um aumento de até 3 °C até o final do século.
Este estudo responde a uma necessidade urgente: identificar os riscos para a saúde associados a temperaturas extremas e desenvolver estratégias de adaptação que protejam os mais vulneráveis, como crianças, idosos, mulheres grávidas, pessoas com doenças crónicas, trabalhadores ao ar livre e comunidades de baixos rendimentos.
Isso é particularmente relevante para Cabo Verde, uma vez que os impactos das ondas de calor na saúde pública ainda não são conhecidos. Podemos usar o estudo A associação entre ondas de calor e risco de hospitalização no Brasil: um estudo de série temporal nacional entre 2000 e 2015 para inferir o perigo que as pessoas correm, nomeadamente crianças e idosos. Observando a Figura 1, as associações entre doze definições de ondas de calor e o risco de hospitalizações por todas as causas no Brasil de 2000 a 2015, de acordo com o percentil usado para definir o evento de calor extremo e a sua duração em dias, podemos ver que mesmo com uma duração relativamente curta, como dois dias, um número significativo de crianças (0 a 4 e 5 a 9 anos) e idosos (mais de 80 anos) são hospitalizados, representando 4% da população. Esse risco aumenta significativamente com a duração do evento.

Figura 1 – Associações entre ondas de calor (12 definições) e risco de hospitalização por todas as causas, por sexo e idade.
Fonte: https://journals.plos.org/plosmedicine/article?id=10.1371/journal.pmed.1002753
- Inovação científica a apoiar a tomada de decisões
O workshop mostrou como a ciência pode influenciar diretamente as políticas públicas e melhorar a vida quotidiana. Utilizando dados climatológicos dos últimos 30 anos e indicadores de saúde, os investigadores desenvolveram critérios localizados para identificar ondas de calor.
- Objetivos do estudo
O estudo tem como objetivos:
- Definir o que constitui uma onda de calor em Cabo Verde utilizando dados climáticos locais;
- Identificar os limiares meteorológicos que desencadeiam riscos para a saúde;
- Desenvolver índices de conforto térmico e sistemas de alerta precoce;
- Expandir as redes de recolha de dados meteorológicos;
- Criar plataformas de alerta público e estratégias de proteção; e
- Apoiar políticas de adaptação climática baseadas em evidências no setor da saúde.
- Resultados preliminares e próximos passos
Os resultados apresentados ontem incluem:
- Mapeamento histórico das ondas de calor em Sal, Mindelo e Praia;
- Identificação de padrões sazonais e níveis de gravidade (Figura 2);
- Desenvolvimento de um modelo de previsão regional (WRF) com resolução de 3 km (Figura 3); e
- Simulações iniciais de alertas de ondas de calor e indicadores de conforto térmico.
Um exemplo da identificação de padrões sazonais e níveis de gravidade é ilustrado na Figura 2. Esta figura mostra a onda de calor de outubro (destacada em linhas vermelhas) e a sua classificação como um risco extremo para a saúde pública, com base no Índice de Calor, uma métrica que combina temperatura e humidade (representada pelo ponto roxo).
A Figura 3 compara dois indicadores diferentes: stress térmico (mapa à esquerda) e índice de calor (mapa à direita). A principal diferença reside na inclusão da humidade no cálculo do índice de calor, o que proporciona uma representação mais precisa do calor percebido e dos riscos para a saúde associados.

Figura 2 – Caracterização das ondas de calor na Praia.
Fonte: Nilton Évora do Rosário, INMG: Temperatura e Saúde Pública em Cabo Verde – Ondas de calor em Cabo Verde: critérios, análise histórica e estratégias de previsão.

Figura 3 – Previsão de indicadores de calor para simulações diárias com uma resolução de 3 km.
Fonte: Nilton Évora do Rosário, INMG: Temperatura e Saúde Pública em Cabo VerdeOndas de calor em Cabo Verde: critérios, análise histórica e estratégias de previsão.
- Próximos passos e a visão para um Cabo Verde resiliente
A próxima fase envolve a integração de dados de saúde para validar esses modelos, a reanálise das séries de dados desde 1940 e a colaboração com o Instituto Nacional de Gestão do Território (INGT) para integrar essas informações nos mapas de risco climático e vulnerabilidade, juntamente com a definição de alertas para a população. Essas ferramentas permitirão intervenções direcionadas e campanhas de sensibilização pública, especialmente durante as épocas de pico de calor.
Esta iniciativa faz parte do Programa de Ação Climática mais amplo, alinhado com a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) atualizada de Cabo Verde e o Plano Nacional de Adaptação (NAP). Ela exemplifica como a colaboração interdisciplinar entre meteorologia, saúde pública e proteção civil pode levar a sistemas mais inteligentes e resilientes.
Não partilhámos apenas dados, construímos esperança. Esperança de que, através da ciência, da inovação e da cooperação, possamos construir um Cabo Verde mais saudável e mais resiliente às alterações climáticas. A jornada continua e convidamos todas as partes interessadas, investigadores, decisores políticos e cidadãos a percorrer este caminho connosco.
A ciência não se resume a compreender o mundo, trata-se de o mudar. E ontem, demos um passo em frente.