Newsletter 2 | Maio 2024 | Jaquelino Varela

E agora os tubarões

Os tubarões, uma das espécies animais mais resilientes, também estão a sofrer os impactos negativos das mudanças climáticas. Tendo até gora sobrevivido a cinco extinções em massa, estão agora a enfrentar um declínio sem precedentes devo ao aquecimento, hipoxia e acidificação do oceano causado pelas alterações climáticas, a par de alterações na abundância e diversidade das suas presas e sobre pesca. 

Os tubarões são conhecidos como um dos animais marinhos mais resilientes. De facto, surgiram há mais de 400 milhões de anos e sobreviveram a profundas transformações da Terra, inclusive às 5 extinções em massa. Apesar da sua diversidade e excelente adaptação ao ambiente marinho, as populações de tubarões enfrentam atualmente um declínio sem precedentes. As alterações climáticas figuram entre um dos principais “drivers”. O oceano, o maior habitat do planeta, onde mais de 500 espécies de tubarões vivem, sofrem os impactos das alterações impostas pelas mudanças climáticas. É estimado que o oceano absorveu mais de 90% do calor gerado pelas alterações climáticas e cerca de 30% do CO2 resultante das emissões antropogénicas, funcionando como um verdadeiro tampão para o planeta. Em consequência, a superfície do oceano experimentou um aumento da sua temperatura média global de forma continua desde o início da Revolução Industrial. Os cientistas verificaram uma tendência oposta em relação ao conteúdo de oxigénio dissolvido nos oceanos, num fenómeno conhecido como desoxigenação. Pois, quanto maior é a temperatura da água, menor é a sua capacidade de reter oxigénio. Ainda, o pH (medida de o quão acido ou base é um líquido) reduziu de um modo global desde a Revolução Industrial, significando que o oceano vem experimentando um aumento na sua acidez. Estes fenómenos – aquecimento, desoxigenação e acidificação do oceano – são conhecidos como “trio mortal” e representam uma séria ameaça aos ecossistemas e vida marinha.  

Estudos mostram que os tubarões respondem principalmente de duas formas às alterações climáticas, deslocando a sua área latitudinal ou escolhendo águas mais frias e profundas para melhorar os seus processos fisiológicos. Uma investigação liderada por um cientista americano1 utilizou uma análise combinada de seguimento por satélite, variáveis ambientais, modelação de habitat e dados de captura para investigar os impactos da variabilidade e das alterações climáticas na migração e distribuição do tubarão-tigre Galeocerdo cuvier no Atlântico Norte. Verificaram que os tubarões-tigre alargaram as suas áreas de migração, chegando mais cedo à latitude norte em resposta a uma temperatura da superfície do mar anomalamente elevada. No mesmo estudo, analisaram cerca de quatro décadas de capturas de tubarões-tigre na região e verificaram que as zonas de maior densidade de capturas aumentaram continuamente para norte e que as capturas estão a ocorrer mais cedo. Este não é o único estudo que mostrou que as alterações climáticas afetam a migração dos tubarões “empurrando-os” cada vez mais à sobrepesca.  

Num outro estudo, os investigadores2, utilizando a marcação por satélite de tubarões azuis Prionace glauca e a modelação ambiental na zona de oxigénio mínimo no Oceano Atlântico Nordeste, na Zona Económica Exclusiva de Cabo Verde, mostraram que os tubarões são empurrados para a superfície, aumentando assim potencialmente a possibilidade de interação com a pesca industrial e a sua captura. Isto representa um grande desafio à sobrevivência da espécie, dado que a pesca industrial é a maior ameaça que os tubarões enfrentam. Cientistas3 estimaram que 100 milhões de tubarões são capturados por ano, sendo que cerca de 70 milhões para abastecer o mercado milionário de “shark finning” para produção de sopa de barbatana de tubarões principalmente em países asiáticos. Algumas espécies oceânicas viram as suas populações serem reduzidas em mais de 70% nos últimos 50 anos.  

Outras espécies são afetadas indiretamente através dos impactos nas suas presas ou nos habitats onde vivem. O tubarão-lixa Ginglymostoma cirratum (também vulgarmente conhecido como tubarão-gata), uma espécie abundante na costa das águas de Cabo Verde, e outras espécies que vivem associadas aos recifes de corais, são impactadas pelo branqueamento e destruição desses habitas causados pelo aquecimento e acidificação do oceano.  

Do ponto de vista das alterações climáticas, os impactos podem ser ainda mais problemáticos para espécies ovíparas que depositam seus ovos em habitats costeiros. A fase embrionária das espécies ovíparas são imoveis e por isso mais vulneráveis às alterações nas propriedades da água do mar. Pesquisas realizadas no laboratório mostram que as espécies ovíparas de tubarão sofrerão alta mortalidade caso a atual tendência de emissão de gases de feito estufa permanecer até o final deste século.  

As evidencias dos impactos das alterações climáticas nos tubarões são cada vez mais crescentes, demonstrados em diversos trabalhos científicos que utilizaram diferentes abordagens. Por isso, travar as alterações climáticas é um imperativo para garantir a sobrevivência humana e de outras espécies, como dos tubarões que desempenham um papel chave na saúde e equilíbrio do oceano.

[1] Hammerschlag N, McDonnell LH, Rider MJ, et al. Ocean warming alters the distributional range, migratory timing, and spatial protections of an apex predator, the tiger shark (Galeocerdo cuvier). Glob Change Biol 2022; 28: 1990–2005. doi:10.1111/gcb.16045 

[2]  Vedor M, Queiroz N, Mucientes G, et al. Climate-driven deoxygenation elevates fishing vulnerability for the ocean’s widest ranging shark. eLife 2021; 10: e62508. doi:10.7554/eLife.62508 

[3]   Pacoureau N, Rigby CL, Kyne PM, et al. Half a century of global decline in oceanic sharks and rays. Nature 2021; 589: 567–571. doi:10.1038/s41586-020-03173-9 

Autor

Jaquelino Varela
Biólogo e Doutorando em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável

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