Restaurar as dunas: a fórmula para combater a subida do nível do mar e a poluição luminosa 

A praia da Reserva Natural de Costa Fragata, na ilha do Sal, constitui um dos locais mais valiosos para a conservação da biodiversidade costeira do arquipélago. Nelas, desovam anualmente cerca de 23% das tartarugas-comuns (Caretta caretta) da ilha, o que transforma este espaço num local chave para a espécie. Além disso, trata-se possivelmente da área protegida mais visitada do país: todos os dias chegam turistas a pé, em excursões organizadas de moto-quatro, a cavalo, de bicicleta ou em veículos todo-o-terreno. Durante a época de vento, as praias são um ponto de referência mundial para a prática do kitesurf, enquanto no verão se transformam no cenário de um dos espetáculos naturais mais admirados em Cabo Verde: a desova das tartarugas marinhas sob a luz da lua. 

No entanto, esta intensa atividade turística tem colocado em risco o habitat mais característico e frágil da reserva: o sistema dunar. A circulação de veículos motorizados, o trânsito constante de pessoas e animais e a extração de areia para a construção provocaram uma degradação significativa das dunas e da vegetação que as estabiliza. Paralelamente, a degradação das dunas aumentou a incidência da poluição luminosa na praia de desova, desorientando um número crescente de tartarugas recém-nascidas, que acabam por morrer a caminho das zonas urbanizadas. 

Perante esta situação, a Associação Projeto Biodiversidade implementou um plano de restauração ecológica de longo prazo, com o objetivo de recuperar a funcionalidade do ecossistema e reduzir os impactos decorrentes das alterações climáticas e do uso desordenado da reserva. 

Uma das principais linhas de atuação centra-se em mitigar os efeitos da subida do nível do mar e da poluição luminosa, através da ordenação dos usos e acessos dentro do espaço protegido. Para tal, foram criados trilhos específicos, restringido o acesso de moto-quatros às zonas de dunas e instalada sinalética informativa que sensibiliza os visitantes para a importância do projeto. 

Junto a Delegação do Ministério da Agricultura e Ambiente do Sal e em colaboração com o Grupo de Geografia, Tecnologias de Informação Geográfica e Ambiente da Universidade de Las Palmas de Gran Canaria, a equipa conseguiu vedar mais de 4,2 quilómetros de dunas costeiras, protegendo assim cerca de 85 hectares deste ecossistema, atualmente em processo de recuperação. A vedação foi construída com mais de 1.400 postes de madeira provenientes de Acacia americana (Prosopis juliflora), uma espécie exótica invasora introduzida nos anos 80 para fins de reflorestação e controlo da desertificação, mas que acabou por gerar efeitos negativos sobre a flora nativa. Desta forma, o projeto não só restaura as dunas, como também dá um novo uso a materiais resultantes do controlo de espécies invasoras. 

Com as dunas mais bem protegidas do trânsito humano, inicia-se a fase ativa de restauração. Projeto Biodiversidade dispõe de um viveiro de plantas nativas e endémicas, onde se produzem exemplares destinados à repovoação das áreas degradadas. Entre as espécies cultivadas destacam-se Polycarpaea caboverdeana e Suaeda caboverdeana, endémicas do arquipélago e ameaçadas pela perda de habitat. Também são utilizadas espécies-chave como Tetraena fontanesii, Tamarix senegalensis e Arthrocaulon franzii, fundamentais para fixar a areia, estabilizar as dunas e favorecer o seu crescimento natural. O aumento do volume dunar reduz a poluição luminosa e melhora as condições de orientação das crias de tartaruga em direção ao mar durante as noites de eclosão. Ao longo de 2025, foram plantadas mais de 850 plantas, e espera-se que até ao final do ano sejam reintroduzidas mais 1.000 na reserva. 

Outro elemento essencial do processo são os captadores de areia, estruturas construídas com cana-comum (Arundo donax), também uma espécie exótica controlada e importada de outras ilhas como São Nicolau ou Boa Vista. Estes captadores são colocados nas zonas mais degradadas — normalmente áreas inundáveis, onde a crosta salina impede a germinação das plantas — ajudando a reduzir a velocidade do vento e a reter os grãos de areia, o que facilita a formação de uma nova camada superficial sobre a qual mais tarde podem ser plantadas espécies nativas. 

Os resultados são encorajadores: em poucos meses observa-se uma rápida recuperação do relevo dunar e da vegetação associada, o que reforça a proteção natural das praias contra a erosão marinha e melhora a sua resiliência face aos efeitos das alterações climáticas. Este processo de restauração não só fortalece a capacidade de adaptação do litoral à subida do nível do mar e às tempestades, como também cria habitats mais estáveis e funcionais para a biodiversidade costeira. Além disso, o projeto contribui para a conservação das tartarugas nidificantes e das suas crias, garantindo simultaneamente a preservação de um dos recursos turísticos mais valiosos da ilha do Sal: as suas praias. 

Em suma, trata-se de uma restauração baseada na ciência, que não procura apenas embelezar a paisagem, mas sim recuperar a funcionalidade ecológica do sistema. O objetivo último é restabelecer os processos naturais — o transporte eólico de areia, a sucessão vegetal e a dinâmica costeira — que asseguram a resiliência do ecossistema face às ameaças atuais e futuras das alterações climáticas. Restaurar as dunas, neste contexto, constitui uma das Soluções Baseadas na Natureza (SbN) mais eficazes para proteger a biodiversidade, travar os efeitos das alterações climáticas e garantir um equilíbrio sustentável entre conservação e desenvolvimento turístico. 

Partilhar