Impactos sobre a Saúde
Exploração de desafios e vulnerabilidades das comunidades devido às mudanças climáticas.
Os fenómenos climáticos que afetam a saúde humana aumentaram exponencialmente nos últimos anos. Estudos indicam que a alteração de parâmetros meteorológicos tem promovido surtos de doenças infeciosas e vetoriais. Os dados recolhidos demonstram consistentemente o impacto das alterações climáticas sobre a saúde, com evidências alarmantes que sublinham a urgência de proteger populações mais desfavorecidas, que são mais vulneráveis a esses desafios globais. Para mitigar os efeitos das mudanças climáticas na saúde, é essencial focar nas comunidades mais carenciadas, onde a pobreza aumenta o risco de desenvolver patologias mais severas.
Investigadores internacionais, como eu, pertencentes à diáspora cabo-verdiana e não só, têm colaborado na implementação de programas educativos e de investigação em Cabo verde. O objetivo é compilar e analisar dados, frequentemente recolhidos de forma individual, para entender o impacto das alterações climáticas na saúde da população e influenciar as decisões políticas. Como um estado insular, Cabo Verde está especialmente vulnerável a esses fenómenos climáticos, e o conhecimento científico é crucial para orientar ações de prevenção e mitigação.
O agravamento da desigualdade social do nosso país aumenta a vulnerabilidade dos segmentos populacionais desfavorecidos a doenças como alergias e infeções, cujo aumento foi registado nos últimos anos. A correlação entre estas patologias e as alterações ambientais, bem como a poluição, demonstra a necessidade de conhecimento especializado que permita a adoção de soluções inovadoras, capazes de prevenir e superar essas situações. O conhecimento local disponível em Cabo Verde não é suficiente; precisa de ser complementado com competências externas. Isto acontece de forma contínua em todo o mundo, dado que enfrentamos sempre situações específicas que exigem capacidades distintas, que temos de aprender. Esse processo define a ciência, algo que em Cabo Verde ainda representa um grande desafio.
A mitigação do impacto das mudanças climáticas na saúde exige uma abordagem multidisciplinares. Um exemplo claro é o efeito dos fatores meteorológicos, como a temperatura e a humidade, no surgimento de doenças vetoriais. Embora esses fenómenos afetem a proliferação de vários vetores, como pulgas, carraças e moscas, a evidência é mais clara nos mosquitos. Foi demonstrado que estes vetores transportam e transmitem doenças como o vírus de Dengue, inclusive em países distantes do equador. Assim, já não se podem associar determinadas patologias exclusivamente às regiões tropicais.
É crucial investigar os mecanismos biológicos que permitem aos mosquitos sobreviver em condições climáticas atípicas e transmitir doenças em ambientes antes desfavoráveis. Da mesma forma, é crucial compreender a capacidade destes vetores de transportar múltiplos vírus simultaneamente. Por exemplo, a reação cruzada entre o vírus da Dengue e Zika no mesmo mosquito foi demonstrada como possível causa de um quadro clínico mais severo, acompanhado de complicações. Este tipo de investigação é de grande interesse tanto para o laboratório que dirijo na NOVA Medical School, na Universidade NOVA de Lisboa, quanto para a Diáspora Mundi.
A Diáspora Mundi surgiu da identificação das lacunas de Cabo Verde em termos desconhecimento científico e da capacidade para colmatá-las através de programas de capacitação promovidos pelos numerosos profissionais qualificados da nossa diáspora e não só, pertencentes ao vasto network da Diáspora Mundi. A promoção de serviços ajudam as instituições a obter financiamento externo para implementar projetos de investigação, recolher dados científico e disseminar conhecimento são alguns dos serviços que fornecemos. Atuando como facilitadores de uma comunicação que muitas vezes é difícil de estabelecer entre entidades publicas e privadas, nacionais e internacionais, financiadora ou beneficiarias, aceleramos o progresso científico, materializando conceitos como a transferência de conhecimento e desenvolvimento de capital humano.
Estratégias de Adaptação e Iniciativas
Discussão sobre a importância da colaboração interdisciplinar e exemplos de colaboração bem-sucedida.
A colaboração inter-e multidisciplinar é fundamental para abordar temas abrangentes, que exigem a integração de conhecimentos distintos. A falta de complementaridade nos estudos conduzidos em Cabo Verde é um verdadeiro calcanhar de Aquiles, pois dificulta a fundamentação das medidas implementadas para enfrentar os desafios do país. A escassa capacidade de definir e/ou adotar estratégias que visem mitigar determinados fenómenos é evidente, uma vez que a ciência deve orientar as políticas publicas, e não a política definir os estudos a ser desenvolvidos.
Para tirar pleno partido do conhecimento científico, é necessário criar equipas multidisciplinares que transcendam as questões financeiras associadas às estratégias científicas. Infelizmente, a desvalorização deste conceito leva a que projetos de consultoria sejam atribuídos maioritariamente a pessoas ligadas às áreas financeiras, cuja participação, embora importante para traçar estratégias de mobilização e utilização de recursos, não é suficiente. Estudar o impacto das alterações climáticas na saúde e definir planos preventivos precisa de uma equipa multidisciplinar, onde investigadores e profissionais de diversas áreas trabalhem em conjunto para estabelecer diretrizes que se traduzam em resultados financeiros, capazes de apoiar a produção de dados pelas instituições académicas caboverdianas e assegurar a participação de académicos na mesa de decisões.
A pandemia demonstrou que desafios globais precisam de soluções coordenadas e interdisciplinares. No entanto, a maioria dos estudos em Cabo Verde permanece focada em problemas locais e são meramente observacionais. Isso limita o potencial de colaboração e a relevância de tais investigações no contexto mais amplo das alterações climáticas, que afetam tanto a saúde dos cabo-verdianos quanto a dos povos vizinhos na sub-região, e vice-versa. As doenças não se manifestam especificamente num país, especialmente quando transmitidas por vetores. O seu aparecimento noutros continentes desperta o interesse da comunidade científica, que procura investigar o comportamento e a adaptação de diferentes espécies de mosquitos. Por isso, a possibilidade dos académicos fazer parte da mesa de discussão composta por decisores políticos e institucionais teria de ser garantida. Contudo, em Cabo Verde, não só existe uma certa relutância em promover esta inclusão, como também falta um sistema objetivo de avaliação do impacto dos planos e estratégias delineadas, bem como das medidas implementadas.
O acesso à informação continua a ser restrito a um número limitado de pessoas, àquelas com uma instrução suficiente para compreender temas científicos e que são capazes de procurar e interpretar informações online, em websites institucionais, ou recebidas por email após solicitação. No entanto, esses segmentos populacionais não representam a realidade cabo-verdiana, onde muitas comunidades não têm acesso à internet ou, quando têm, o custo do serviço limita o seu uso a comunicações simples e de carater familiar. Além disso, existem comunidades cujo nível de escolaridade não permite compreender aspetos que influenciam a sua qualidade de vida. Como poderão esses indivíduos ajudar na prevenção e mitigação de doenças, se não compreendem as medidas implementadas nem os seus benefícios?
Para resolver esta questão, é fundamental criar uma cultura científica que promova a literacia em temas de interesse diversos, como saúde e ambiente, com o objetivo de educar melhor as comunidades. Isto permitiria alertar agricultores, pescadores, comerciantes, e outros trabalhadores para as implicações que as mudanças climáticas podem ter na sua saúde. Um ponto de partida possível seria incluir estes indivíduos e os jovens estudantes, provenientes dessas comunidades, nas conferencias organizadas pelas autoridades competentes no país. Estas conferências, normalmente frequentadas apenas por diretores, gestores e coordenadores, deveriam também contar com a presença de operacionais e dos jovens, frequentemente rotulado como “o futuro da nação”. Os jovens, sejam eles universitários ou não, precisam de estar entre os convidados aos debates organizados pelas instituições sobre o desenvolvimento de vários setores em Cabo Verde. Caso contrário, como tem sido a prática predominante, os oradores terão de se perguntar para quem preparam os seus discursos, quem executará os planos por eles definidos, como será promovida a sustentabilidade das ações implementadas e do conhecimento produzido, e a quem passarão o testemunho. Que futuro terá o setor quando já não fizerem parte da mesa de discussão?
As respostas a estas perguntas permitirão promover uma colaboração inter- e multidisciplinar mais eficaz, em prol da sustentabilidade dos projetos implementados e do desenvolvimento do nosso país.
Inspiração para Envolvimento dos Ouvintes
Sugestões práticas para apoiar políticas de saúde pública, educar sobre mudanças climáticas e saúde, e adotar práticas saudáveis de estilo de vida e o papel dos sistemas de alerta precoce.
Gostaria de realçar que não há investigação sem investimento na ciência. Para avaliar o impacto das alterações climáticas na saúde, é imprescindível obter o suporte financeiro adequado. Se Cabo Verde deseja fazer ciência, uma verba especifica para o efeito terá de ser inserida no orçamento do Estado, evitando que a responsabilidade de não priorizar a investigação recaia sobre instituições cujo orçamento já é limitado face aos seus múltiplos desafios. Quando conduzida seriamente, a investigação tem custos. O impacto e a excelência pagam-se e o Estado não pode exigir o que não oferece.
As investigações permitem a interação dos jovens com professores e outros profissionais, debatendo os dados apresentados em conferencias e promovendo a criação de uma massa critica que beneficiará o desenvolvimento da ciência como a qualidade da educação em Cabo Verde. As palestras organizadas no país, especialmente quando relacionadas com as disciplinas lecionadas, deveriam ser integradas nos planos curriculares, permitindo que a programação académica incorpore conhecimentos mais atualizados que não se encontram nos livros de estudo. Em Cabo Verde, continua a ser surpreendente a falta de participação de professores e estudantes em simpósios e debates, mesmo quando organizados nas universidades.
A escassa participação reflete-se também na ausência de uma investigação inter- e multidisciplinar, que é essencial para fomentar a colaboração institucional, a capacitação e aquisição de novas competências, bem como o desenvolvimento humano e do setor em questão. Os professores precisam de ser mais incisivos com os seus estudantes, motivando-os a assumir um papel ativo e participativo nas questões a serem debatidas. Até porque, os jovens poderiam ser os porta-vozes dos planos e documentos elaborados pelo país em vários setores, ajudando a população mais desfavorecida a assimilar, interpretar e compreender as informações disseminadas, que podem afetar diretamente o seu quotidiano.
É necessário que estudantes e jovens profissionais se juntem para criar instrumentos que permitam às comunidades aceder de forma igualitária aos conhecimentos disponíveis – algo que não acontece atualmente em Cabo Verde, onde a desigualdade reflete a realidade da maioria da população. Estas comunidades têm o direito de aceder às informações, que atualmente são retidas por um grupo restrito de pessoas. Contudo, o conhecimento é de todos, e todos têm o dever de o disseminar.
Torna-se essencial o envolvimento dos líderes comunitários no processo de capacitação das comunidades, bem como a revisão dos planos curriculares, desde o ensino primário até às universidades, para que remas relacionados com as mudanças climáticas e o seu impacto na saúde possam ser objeto de estudos em sala de aulas. Estes avanços são tão inovadores que muitas vezes não estão presentes nos livros, o que reforça a importância da participação dos estudantes em conferencias e debates organizados a nível nacional.
Considerando a ambição de Cabo Verde em se destacar na transformação digital, seria benéfico promover o compromisso dos jovens na criação de instrumentos que possam permitir a visualização de fenómenos climáticos e dos seus efeitos para um público mais amplo, incluindo o leigo. Esta seria uma forma de complementar conhecimentos e promover a literacia em saúde e ambiente, com estudantes interessados em recolher e compilar dados para mitigar o impacto do clima sobre o bem estar humano. Esta iniciativa também poderia ser integrada em trabalhos de investigação desenvolvidos no âmbito da conclusão de graus académicos.
Autoria

Raffaella Gozzelino,
Fundadora e Diretora da Diáspora Mundi, Group Leader na NOVA Medical School Research, Professora Convidada na Universidade NOVA de Lisboa e na Universidade Jean Piaget de Cabo Verde